Hoje já faz dez dias desde que saí de Fortaleza a caminho de Ithaca. Foram dez dias repletos de sentimentos: euforia, alegria, apreensão, satisfação, sem contar com sensações (quase) novas de frio, de cansaço por andar tanto a pé, de alívio por conseguir realizar as tarefas, entre outros. Realmente vou incluir essa aventura entre as mais significantes de toda a minha vida, em função do desafio que ela representa, de caráter intelectual, acadêmico, familiar e pessoal. Mas se tem algum sentimento que ainda não me abateu foi aquele sentimento melancólico que nossa cultura chama de saudade. E eu me pergunto: Será que eu sou normal? Como brasileira que sou (agora mais que nunca vou me questionar se a cegonha não errou mesmo o meu endereço), não deveria estar morrendo de saudade de casa?
Essa reflexão começou a se materializar na minha cabeça em forma de texto (antes de escrever, o texto é gerado na minha mente) quando a minha sogra, D. Fance, me perguntou se eu estava com saudade. Eu respondi que se saudade for necessariamente associada à tristeza, não. Se a saudade for sentir falta (sem tristeza) das pessoas e coisas que amo e que não estão aqui comigo, sim. Tivemos uma conversa de vários minutos sobre o assunto, mas não tenho certeza se ela compreendeu bem minha argumentação. Vou tentar resumir aqui o que penso sobre saudade.
Primeiramente, quero explorar brevemente o sentido etimológico da palavra. Segundo a Wikipedia, o termo saudade [a partir daqui vou copiar e colar da internet, fazendo alguns cortes] “descreve a mistura dos sentimentos de perda, distância e amor. A palavra vem do latim "solitas, solitatis" (solidão), na forma arcaica de "soedade, soidade e suidade". Diz a lenda que foi cunhada na época dos Descobrimentos e no Brasil colônia esteve muito presente para definir a solidão dos portugueses numa terra estranha, longe de entes queridos. Define, pois, a melancolia causada pela lembrança; a mágoa que se sente pela ausência ou desaparecimento de pessoas, coisas, estados ou ações. O termo gerou derivados como "saudosismo", "saudosista" (apegado à ideias, usos, costumes passados) e o termo de forte carga semântica emocional "saudoso", que é aquele que produz saudades, podendo ser utilizado para entes falecidos ou até mesmo substantivos abstratos como em "os saudosos tempos da mocidade", ou ainda, não referente ao produtor, mas aquele que as sente, que dá mostras de saudades.” [Agora sou eu de novo, leitor] Conforme minha suspeita, a palavra carrega um forte sentido cultural. Para a nossa cultura, saudade é esse sentimento melancólico de estar só e longe dos seus. Um artigo da Folha Online diz que segundo uma pesquisa, ‘saudade’ é a 7ª palavra mais difícil de traduzir, justamente por ser carregada de significado cultural, impossível de transpor para outro idioma em sua totalidade. Na língua inglesa (que se não fosse o engano da D. Cegonha deveria ser minha língua materna), a palavra ‘saudade’ não existe e para se aproximar da idéia se usa o verbo “miss”, ou seja, “sentir falta”. O termo em inglês mais parecido e que carrega um pouco da tristeza da saudade é o adjetivo “homesick”, que poderia ser traduzido por “saudade de casa”, mas mesmo esse não carrega toda a melancolia do português, talvez por a língua inglesa ser mais pragmática e menos emocional.
Depois dessa breve, porém necessária, incursão etimológica, afirmo que deveriam inventar um termo na língua portuguesa que expressasse um sentimento não melancólico de saudade. Provisoriamente chamarei esse sentimento de saudade saudável.
Comecei a pensar sobre saudade saudável quando o Juan foi fazer intercâmbio nos EUA por dois meses e meio. Seria a primeira vez que passaríamos tanto tempo separados. Pensei em como me sentiria. Conversando com uma colega cuja filha já tinha passado um tempo fora, ela disse: “Você vai morrer de saudade. Eu chorava todo dia.” Quando ouvi aquilo, imediatamente me sobreveio uma repulsa. Pensei: “Eu não quero chorar todo dia! Por que chorar se vai ser algo tão bom pra ele? Se for bom para ele, é bom para mim, então não vou chorar!” Outra mãe na mesma situação me disse: “Não posso nem olhar pro quarto dele que eu choro!” Não nego que temi sentir a mesma coisa. Mas quando o Juan viajou, nem na despedida no aeroporto me entristeci ao ponto de derramar lágrimas. O que senti foi um grande orgulho de ver meu filho crescendo, virando adulto, cuidando de si. Aquele menininho que cuidei tanto agora era um homem! Isso não é motivo para chorar. Essa atitude me acompanhou por todas as dez semanas em que o Juan esteve fora. Claro que senti falta e sempre me lembrava dele, pensando no que ele diria ou faria se estivesse comigo em determinados momentos. Mas a isso chamei de saudade saudável. Da mesma forma, após esses dez dias (serão 18 semanas longe de casa e já estou na segunda), tenho preservado essa atitude. Ainda não senti em nenhum momento a melancolia que a cultura lusitano-brasileira insiste em cobrar de nós, como se fosse prova inconfundível de amor.
Outro fato é que há situações onde a saudade melancólica invariavelmente se manifesta: na morte, na guerra, em caso de aprisionamento ou qualquer tipo de afastamento forçado, como quando as centenas de milhares de africanos foram involuntariamente trazidos como escravos para as Américas. São comuns os relatos do sofrimento deles nos navios-negreiros e após chegarem ao Novo Mundo, que para eles estava para ‘novo mundo de horror’, tendo em vista a crueldade com que isso era feito. A meu ver, aí a saudade nos moldes da descrita acima se justifica. Entretanto, no meu caso, minha vinda para cá foi consensual, parte de uma negociação familiar, pensada e repensada. Enriquecer minha pesquisa aqui certamente renderá muitos frutos para a minha vida pessoal, acadêmica e profissional. Como se diz em inglês, “No pain, no gain” (Sem dor, não há ganho – tradução minha). Sendo assim, é um investimento. Não há lugar para melancolia.
Outro motivo pelo qual tem me sido possível desenvolver essa atitude de saudade saudável é a tecnologia de hoje, que possibilita a oportunidade de nos comunicarmos com facilidade. Tenho falado e visto o Joaquim diariamente pelo Skype e o que é ainda melhor, sem que isso me custe nada. No dia em que cheguei comprei um celular e liguei para casa. Aqui estou assistindo aos mesmos programas que assisto em casa, pela TV a cabo. Falo com meus amigos por emails, pelo Facebook e pelo blog instantaneamente. A tecnologia digital amenizou muito os sentimentos de saudade. Quando fui estudante de intercâmbio aqui nos EUA durante seis meses em 1982, só liguei poucas vezes para casa por causa do alto custo. Uma carta levava dez dias para chegar. A dificuldade da comunicação, diferente de hoje, causava um grande abismo nos relacionamentos. Talvez esse seja um dos motivos pelos quais ainda não senti a dolorosa saudade.
Para concluir, é por causa da saudade saudável que estou bem. Quero tirar o melhor proveito desses momentos e não quero estragar essa oportunidade com Romantismo, e me refiro à corrente literária e artística, que muito influenciou nossa cultura, onde “seus autores exacerbavam o sentimentalismo, sendo essa escola literária movida através da emoção, especialmente a saudade, a tristeza e a desilusão. O romântico analisa e expressa a realidade por meio dos sentimentos e acredita que só sentimentalmente se consegue traduzir aquilo que ocorre no interior do indivíduo relatado. Emoção acima de tudo” (texto entre aspas adaptado da Wikipedia – Romantismo). A essa corrente se contrapôs o Realismo. Mas não quero me afiliar a nenhuma linha de pensamento. Meu compromisso é com ser feliz e aproveitar ao máximo o que de bom a vida tem para me proporcionar. Sei que dias difíceis virão, mas que eles passarão e deixarão um legado que me fará ser a melhor Débora que eu posso ser. Para consolidar meu argumento, deixo a minha versão da poesia abaixo. As palavras em parênteses representam o que eu tirei da poesia. Em letras maiúsculas está o que eu acrescentei. Que me desculpem os autores e os românticos leitores.
A Saudade NÃO Mata a Gente
Composição: Antônio Almeida / João de Barro (Braguinha)
Fiz meu rancho na beira do rio
Meu amor foi comigo morar
E nas redes nas noites de frio
Meu bem me abraçava pra me agasalhar
Mas (E) agora, meu Deus, vou-me embora
Vou-me embora (e não sei se vou voltar) MAS SEI QUE VOU VOLTAR
A saudade nas noites de frio, MUITO FRIO (ABAIXO DE ZERO)
Em meu peito vazio NÃO virá se aninhar
A saudade NÃO é dor pungente, morena
A saudade NÃO mata a gente, morena
A saudade NÃO é dor pungente, morena
A saudade NÃO mata a gente
Minhas estórias
Oi, gente,
Esse blog foi criado para que meus amigos pudessem acompanhar minha aventura em Cornell. Digo aventura porque passar 4 meses e 8 dias fora de casa, sem o marido e sem o filho, sem os familiares e amigos, em uma cidade em outro país a cerca de 10.000 km de distância é mais do que o Indiana Jones poderia sonhar!
Só que quando voltei de Cornell, resolvi continuar registrando minhas estórias e reflexões. Tenho muitas coisas pra contar!
Comecei a perceber isso quando em minhas aulas, não importa qual o assunto, sempre tinha alguma experiência pra contar. Até num incêndio eu já estive! E às vezes me dá um comichão e tenho que sentar pra escrever e compartilhar minhas estórias. Adoro escrever. Já pensei em escrever um livro e publicar, mas vamos economizar papel e ficar por aqui mesmo.
Neste blog irei postar textos, fotos, vídeos, etc.
Escrevo em inglês e em português, pois compartilho esse blog também com pessoas que não falam português.
Um beijão!
Débora
Esse blog foi criado para que meus amigos pudessem acompanhar minha aventura em Cornell. Digo aventura porque passar 4 meses e 8 dias fora de casa, sem o marido e sem o filho, sem os familiares e amigos, em uma cidade em outro país a cerca de 10.000 km de distância é mais do que o Indiana Jones poderia sonhar!
Só que quando voltei de Cornell, resolvi continuar registrando minhas estórias e reflexões. Tenho muitas coisas pra contar!
Comecei a perceber isso quando em minhas aulas, não importa qual o assunto, sempre tinha alguma experiência pra contar. Até num incêndio eu já estive! E às vezes me dá um comichão e tenho que sentar pra escrever e compartilhar minhas estórias. Adoro escrever. Já pensei em escrever um livro e publicar, mas vamos economizar papel e ficar por aqui mesmo.
Neste blog irei postar textos, fotos, vídeos, etc.
Escrevo em inglês e em português, pois compartilho esse blog também com pessoas que não falam português.
Um beijão!
Débora
Nos dois anos que morei ai nos EUA, me senti qse 100% do tempo como vc descreveu sentir-se no texto, Deb! Melhor é ser feliz e estar bem! Aproveite, explore e cresca bastante! Deus te abencoe! :*
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